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O MÉDICO E A SOCIEDADE

quarta-feira, 23 de novembro de 2011


                                         Avenor Augusto Montandon

 

Fui chamado para avaliar um caso grave na Santa Casa. Tratava-se de uma urgência que indicava necessidade de cirurgia, na linguagem médica – abdome agudo cirúrgico. Eram 30 minutos passados de meia noite do dia 2 de junho. Fazia frio e já estava dormindo desde 23:30. Movido pelo dever, mas sem deixar de protestar pela falta de sorte daquela urgência àquela hora, me desloquei para o hospital na madrugada fria e silenciosa.

Normalmente nós, os médicos, quando chamados para esses casos não podemos fazer nenhuma previsão de quando estaremos de volta à casa. Pelas informações passadas, pelo telefone pela enfermeira da noite, tinha já a expectativa de trabalhar quase toda a madrugada. A famosa “calada da noite” me confirmaria a minha expectativa. Só retornei para casa com os primeiros sinais da alvorada. Havia sido um árduo trabalho, uma grande cirurgia com grandes desafios.

Passa pela nossa cabeça, nessas jornadas, um emaranhado de questionamentos técnicos, profissionais e até ideológicos.

Enquanto procedemos aos passos da cirurgia somos obrigados a uma concentração extenuante. Não nos é concedido qualquer vacilo sob pena de por em risco a vida daquele paciente. Temos que estar absolutamente atentos e obstinados à solução daquele problema. Não raro somos obrigados a tomar apenas medidas paliativas por não haver nada que se possa fazer e isso traz a nós os médicos cirurgiões uma profunda sensação de impotência e frustração. Sairmos da sala de cirurgia como vencidos. Perdemos a luta!!

 

Imagine o estado de espírito e a prostração do médico nessas situações. Logo a abordagem dos parentes à porta do centro cirúrgico e tendo que explicar em linguagem leiga o diagnóstico, o procedimento cirúrgico e o prognóstico!

Nem sempre a família entende. O médico não é Deus. Costumo dizer que é apenas um intermediário Dele. Quem define pela vida ou pela morte é Deus, por mais esforço que se faça, tecnologia, conhecimento técnico, habilidade, presteza e terapêutica empregada, todo o brutal desgaste físico e psicológico do médico no exercício da sua profissão (que o faz ter uma expectativa de vida em torno *-de 60 anos) é decorrente principalmente da sua relação com a sociedade nos últimos anos.

Há duas ou três décadas atrás, o médico era respeitado, ouvido, acreditado. Todos o viam acima de qualquer suspeita, honrando com idealismo sua profissão e bem remunerado pelo que fazia. Era admirado e suas decisões sempre acatadas. Esse tipo de relacionamento favorecia muito o desempenho e o resultado da sua missão. Na medida em que se passaram os anos, mais precisamente da década de 70 para cá, houve um grande crescimento da oferta de escolas de medicina. Milhares de médicos foram formados e lançados no mercado de trabalho, muitas vezes sem a qualificação desejada. Isso deu margem para erros médicos que foram explorados ostensivamente pela mídia, com o enfoque sensacionalista que o assunto desperta, e aí começou o processo de demérito e descrédito com os médicos.

      A medicina foi desmistificada e, por despertar muito interesse de todos, com meras informações de imprensa, as pessoas passaram a “ficar entendidas” da ciência médica. Muitas vezes, por um sintoma, o paciente deduz seu diagnóstico e exige que o médico procure confirmar sua suspeita, às vezes, sem nenhum fundamento. Solicitam exames, questionam o diagnóstico e a conduta do médico...

      A relação médico-paciente enfrenta um progressivo processo de desgaste gerando uma outra medicina: A medicina comercial, onde a relação é impessoal e não raro conflituosa, dentro de um clima de confronto e cobrança as vezes injustificado. Muitas vezes o médico é visto como um inimigo em potencial ou um “funcionário” da sociedade de quem devam ser cobradas posturas, condutas e acertos sobre-humanos.

Em 20 anos grandes mudanças ocorreram no sistema de saúde. Com a constituição de 88, saúde passou a ser “direito de todos e dever do Estado”. Enquanto direito não há nenhuma objeção, ao contrário, é obvio e natural que todos tenham acesso aos serviços de saúde e que sejam bem assistidos. Embora seja utopia na situação atual do país, essa é uma condição que a sociedade deve exigir, por ser questão prioritária de vida! O direito à saúde deve ser inalienável!

O dever do Estado deixa muito a desejar. O pagamento pelos serviços via Sistema Único de Saúde – SUS, aos hospitais e profissionais de saúde chega a ser risível. Os pagamentos de atendimentos ambulatoriais raramente excedem dois dígitos (R$10,00) e procedimentos hospitalares (internações) sequer pagam as despesas hospitalares realizadas com o paciente. A equipe médica tem remuneração irrisória! Os pagamentos são tão ridículos que forçam os médicos a recusarem realizar procedimentos pelo SUS, excluindo as urgências, pela enorme responsabilidade implícita quase sem nenhuma contrapartida. Antes havia, como dito, pelo menos o reconhecimento e a gratidão do paciente e seus familiares. Agora nem isso e nem remuneração digna que justifique assumir riscos e responsabilidades.

Temos a despeito de tudo isso o compromisso com a causa da saúde; Temos implícita a responsabilidade social e a ânsia de atenuar os problemas avolumados pela dor e o desespero do sofrimento. Somos criados no apostolado de Hipócrates que deixa acima do interesse meramente comercial a nossa ansiedade por dar alívio e evitar a morte.

Por isso temos sido submissos e procuramos ser cúmplices da pessoa que sofre e que não tem recursos para bancar o que deve ser obrigação do poder público, conforme reza a Constituição.

Esperamos, no entanto como resposta, no mínimo o respeito e o reconhecimento da Sociedade, evitando que ambos colidam no interesse que deve ser comum e compartilhado: o bem estar de todos.

 

 


                                         


1 comentários:

Anônimo,  2 de dezembro de 2011 às 16:53  

PARABÉNS PELO TEXTO. VC É UMA PESSOA MUITO ESPECIAL..ABRAÇOS. EMILIA

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PALAVRAS FINAIS

Que bons ventos te tragam sempre...
e que bons ventos te levem...

mais leve, feliz,

tranquilo e

em paz!

Grande abraço!

Ana Eugênia


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