Crônicas Médicas e Hospitalares
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Chegou-nos certa manhã, uma menina, de aproximadamente seis anos, vitima de acidente em escola:
- “A porta foi fechada por um de seus amiguinhos e pegou seu dedo”, contou à professora que a acompanhava.
Descobrimos a mão que estava enrolada em panos limpos, esperando encontrar um corte, mas o que encontramos não foi muito agradável: amputação de falanges (ponta de dedo) do dedo médio e anular.
A criança olhava tudo que fazíamos, e não houve como esconder os toquinhos de dedo que restaram. Mas a corajosa menina não chorava enquanto limpávamos, só observava.
Chega a mãe, que havia sido chamada pela própria professora, e esta, ao ver o que havia acontecido, desmaia. Chamamos um colega para atender a mãe até que esta estivesse consciente novamente.
Criança avaliada pelo plantonista, chamado ortopedista para decidir o que fazer.
Ao chegar e avaliar a lesão, o ortopedista conversa com a mãe já acordada e chorando, explica a situação dos dedinhos da criança e tratamento a ser adotado e solicita que a criança seja encaminhada ao bloco cirúrgico para fazer um “coto”, pois não havia como reimplantar o pedaço cortado (que a professora havia guardado em um saquinho plástico).
A mãe acompanha a saída da maca com a criança já de camisola, que conversa conosco. E vendo a mãe chorando fala tranquilamente:
- “Mãezinha, não chora não, a professora disse que meu dedinho vai crescer novamente”, e estica, sorrindo, a mãozinha enfaixada para a mãe.
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Enfª Ana Eugênia Loyolla Hollanders
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Vou atendê-los, já recebendo relatório do caso:
- Trata-se de homem, aproximadamente 38 anos, encontrado caído em via pública, sem comunicar-se ou mover-se desde o momento do chamado. Respiração espontânea, pulsos mantidos, boa oxigenação. Segundo transeuntes, é conhecido nos arredores de onde foi encontrado, onde várias vezes necessita auxilio por apresentar-se embriagado. Há suspeita de lesão medular, pois apresenta priapismo (ereção continua) desde avaliação inicial. Não percebemos qualquer outro problema...
Direcionamos nossos olhares para a região de entre pernas e realmente havia “grande volume” e o local encontrava-se ainda úmido por presença de diurese (urina) na roupa.
Caso passado, preenchidos papeis, eles vão embora..
Iniciamos nosso atendimento: paciente inconsciente, pupilas isocóricas (mesmo tamanho) reagindo á luz, transferido para nossa maca, mantido em prancha rígida para proteção de coluna vertebral, imobilização cervical com colar, solicitado plantonista médico. Iniciamos com nova aferição de sinais vitais (pressão arterial, pulso, respiração, temperatura), todos dentro dos parâmetros de normalidade, glicemia normal.
Plantonista inicia avaliação médica e ao perceber a presença do priapismo, já solicita localizar neurologista, plantonista da tomografia, preparar para RX de “corpo inteiro”, exames laboratoriais... Uma grande quantidade de outros cuidados.
Levamos o paciente para RX – tudo normal, aguardamos a chegada do neurologista, paciente mantendo ereção. Médico solicita tentar agilizar a avaliação, pois paciente deve ter lesão medular.
Resolvemos então, limpar o paciente, pois estava em péssimas condições de higiene, antes de puncionarmos uma veia (para instalar soro). Lavamos o rosto, o cabelo, aproveitando para procurar algum sinal de lesão em couro cabeludo – nada encontrado, retiramos a camisa, lavamos tórax e braços, nada encontramos de lesão ou escoriações.
Preparamos material para cateter urinário ( passar uma sonda para controlar a diurese- urina). Retiramos a calça do paciente e descobrimos o motivo do priapismo...
O paciente havia escondido em sua região genital uma garrafa pet de guaraná caçulinha com aguardente !!
Canceladas chamadas ao neurologista, da tomografia. Foi instalado soro rápido. Depois de algumas horas, paciente acordado e qual não foi sua primeira pergunta ???
- Gente, cadê minha “pinguinha", não a encontrei onde escondi...
Obs : Nos pacientes com lesão medular, podem ser observadas respiração diafragmática, perda da resposta
ao estímulo doloroso, incapacidade de realizar movimentos voluntários nos membros, alterações do
controle dos esfíncteres, priapismo e presença de reflexos patológicos (Babinski, Oppenheim), indicando lesão do neurônio motor superior.
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Enfª Ana Eugênia Loyolla Hollanders
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Um senhor, novo, estava aguardando seu atendimento médico, sentado, calado, cabisbaixo na recepção do pronto socorro. Ouvindo seu nome, dirigiu-se ao consultório médico.
Após aproximadamente 45 minutos, saiu da sala de consulta nervoso, procurando-me para reclamar do atendimento que recebera, pois estava com dor de cabeça intensa e a doutora que o atendeu não passou remédio algum, somente encaminhou para terapia de imposição de mãos.
- Sabe enfermeira, não acredito muito nisso, e gostaria de ser reavaliado por outro plantonista, minha dor esta muito forte, já tomei o que podia de remédio em casa, preciso realmente de atendimento médico que resolva.
Apesar de não ser rotina, apiedei-me deste senhor que apresentava fácies de dor, evitando luz, falando baixo apesar de exaltado. Falei a ele:
- Vou ver o que posso fazer para atender seu pedido, embora tema que a médica que o atendeu perceba que o reencaminhamos. Aguarde em minha sala.
Sai, esperei que a doutora chamasse outro paciente para seu consultório, e levei o senhor à sala de espera do local onde o outro plantonista atendia. Deixei-o lá e fui atender a chamado nas enfermarias de observação.
Após alguns minutos, vejo grande movimentação na área reservada ao consultório dois, onde estava o paciente. Cadeiras da sala de espera sendo jogadas por ele, chutes nas portas, outros pacientes que estavam aguardando correndo... Fui rápido avaliar a situação e tentar contorná-la...
- Senhor, o que está acontecendo aqui... ? Qual o motivo de sua agressividade... ?
Ele encarou-me com expressão extremamente alterada, fechada e brava e falou...
- Venho aqui para atendimento médico, pois não estou bem. Se quisesse oração teria ido a igreja .... É o fim do mundo o descaso com a população. Veja se é possível isto num pronto socorro : um médico me benze e outro me manda benzer...
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domingo, 15 de janeiro de 2012
Daniel, 15 anos. Chega a nossa UTI em plena terça-feira de Carnaval (1993 ou 1994, não lembro bem).
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Não desmereçam as fábulas, mas...
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
domingo, 8 de janeiro de 2012
Estava de plantão numa certa noite quando fui chamada por uma das funcionárias de uma unidades de internação pois, uma senhora estava passando muito mal e não queria que fosse chamado o médico. Subi ao andar para avaliar a situação...
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Nasceu...
Está ficando rosado! Preparem o berço aquecido, crianças pequenas, levem ao berçário.
Sala organizada.
Mãe aparentemente bem, mais tranquila, sem dor.
Colocamos na maca e vamos levá-la para a enfermaria.
Ela nos conta chorando a surpresa,o susto, pois nunca imaginou estar grávida, foi só uma vez... Tem somente 16 anos... Medo, insegurança, preocupação... O que vai fazer agora ?
Chegamos na enfermaria, colocamos a mãe menina na cama, cobrimos e a deixamos com seus pensamentos. Saimos comentando o parto, relativamente tranquilo e que foi bem sucedido.
Voltamos correndo...
As dores voltaram...
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Um contava, outro quebrava ampolas e outro ainda, aspirava o conteúdo destas, sob o olhar severo da supervisora responsável.
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Pensávamos que seria tranquila.
Nossa noite foi passando rapidamente, sem um momento sequer para descanso.
Zé Precotela. Esse era o seu nome. Era um crioulo muito preto e forte. Tinha uma característica peculiar. Os pés eram enormes. Sapato, só sob encomenda, tanto que só andava descalço.
O Precotela foi criado desde pequeno pelos meus avós na fazenda, onde ajudava como vaqueiro e capinador de roça. Era servil e humilde, resquícios de seus antepassados de escravos e dedicava aos velhos um respeito submisso, quase canino.
Saiu para casar, com a devida licença dos velhos, o “padrim e a madrinha”. Sua primeira mulher morreu de parto do quarto ou quinto filho, já não me lembro, deixando os filhos bem pequenos, principal argumento para arranjar logo o seu segundo casamento com uma crioula aparentemente saudável, gorda e risonha que quando ria parecia ter quarenta dentes na boca. Seu nome era Joana, tinha uns trinta anos quando casou com o Precotela. Dois ou três anos depois já havia aumentado a família em mais dois crioulinhos. Joana andava cerca de duas léguas a cada dois dias, para lavar e passar roupa na fazenda da vovó. Caminhava ligeira por uma trilha nas encostas suaves dos morros que circundavam a fazenda.
Na escadeira levava invariavelmente um filho mais novo, que não podia deixar em casa, pois até a idade de dois ou três anos os amamentava só no peito.
Sagrada rotina anos a fio.
Fazia parte da paisagem ver a Joana com um crioulinho encaixado na cintura, com uma trouxinha na cabeça rumo à sua casa ao final do dia de trabalho. Com o tempo, no entanto, o passo de Joana já não era tão ligeiro. Estava mais gorda (ou inchada) e parava, vez em quando, para descansar.
Descia o neguinho, o assentava sobre o cupim, respirava sôfrega, para depois prosseguir.
Certo dia, bem cedo, o Precotela apareceu na fazenda. Adentrou à cozinha, onde a vovó preparava um tacho para fazer sabão, tirou o chapéu.
- Bença madrinha.
-Bençoe Zé. Que veio você fazer aqui essa hora. Não é seu costume!
-Fiquei preocupado com a Joana, madrinha. Imaginei que ela tivesse dormido aqui hoje à noite com a menina, pois ela não voltou para a casa ontem.
- Que isso Zé?! - disse espantada.
- A Joana saiu ontem, ainda num era cinco horas!
O crioulo ficou branco de susto e assentou num banco à porta.
- Uai madrinha, então aconteceu alguma coisa!
Preocupada vovó mobilizou a todos que saíram, uns a cavalo, outros a pé à procura da Joana com a crioulinha de um ano que estava com ela.
Seguiram o caminho costumeiro de Joana, passaram duas casas de colonos por onde ela às vezes parava, na esperança de encontrá-la. Nenhuma notícia. Aumentou a apreensão.
Quando, depois de muita procura, se esvaneciam as esperanças, próximo a uma vertente ouviram murmúrios de criança. Sobre uma moita de capim, a poucos metros de um enorme desbarrancado, jazia o corpo de Joana. O capim á sua volta estava amassado, denunciando que a criança por ali circundara á noite em volta da mãe morta. Os peitos murchos do cadáver, á mostra....Joana cumprira , mesmo depois de morta o seu instinto de mãe: A criança alheia , brincava a seu lado , saciada com o leite que sugara durante a noite.
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(Cirurgião Santa Casa de Araxá)