'Ser invisível'
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Hoje iria postar nova crônica, quando recebi no Facebook este depoimento, e achei-o muito importante:
Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da 'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. ( Plínio Delphino, Diário de São Paulo).
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali,constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres
invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão
social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:
'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz.
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra
classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e
serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e
claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada,
parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:
'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi.